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Crónica treino free Running - Serra da Freita - 23 de Julho de 2011

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Corredores todo o terreno

(Crónica de Rui Pinho)

23 de julho de 2011

 

Eu, que achara a Corrida da Freita dura, mas que me tinha deixado um gosto especial pelo trail, acho agora que toda a corrida de montanha é dura mas deve ser apreciada. Foi o que fizemos hoje.

Há uns dias, quando fui informado da realização de um treino Free-Running na companhia do José Moutinho, grande impulsionador do trail em Portugal e um apaixonado pela Freita em particular, onde organiza a mais dura Ultra de montanha em Portugal, decidi na hora ir.

Organizados e distribuídos pelo menor número de carros possível, lá fomos chegando bem cedo ao Merujal. 9h da manhã, equipados a rigor, fomos em direcção ao Concelho vizinho de S.Pedro do Sul, rumo ao Parque de Campismo Retiro da Fraguinha, donde haveríamos de iniciar o treino Free Running, como o nome indica, sem competição, com liberdade de andamentos, mas, como referido pelo José Moutinho no briefing, onde todos se preocupam com todos.

Lá partimos, rumo à aventura, sem a pressão de uma prova, mas com andamento vivo.

Os primeiros dois quilómetros, em subida ligeira até aos 1026 m (tínhamos começado nos 920), fez-se por um terreno bastante acidentado e com muitos tojos, que nos picavam as pernas e atrasavam o andamento, já que as ultrapassagens não se verificavam. Os mais astutos tiveram de esperar mais uns quilómetros para dar asas à destreza. Já no alto, na garra, onde emborcam vários trilhos (cinco no total dão acesso àquele local, daí o nome), novo briefing do Moutinho para nos mostrar alguns dos locais de passagem da Ultra, num ponto magnífico, de onde se pode apreciar uma grande parte do Maciço da Gralheira.

 

Iniciámos então a descida rumo à aldeia da Póvoa das Leiras pelo famoso Trilho dos Incas, que, ao que parece, ligava originalmente à aldeia de Covelo de Paivô, em Arouca. O nosso guia, Moutinho, que tinha como intenção dar-nos algumas dicas sobre técnica de trail, inicia a dita descida com uma simples explicação sobre como colocar os pés para manter o equilíbrio e evitar entorses, o grande inimigo dos corredores de montanha e que viria, mais à frente, a vitimar o próprio Moutinho. Quando demos conta, ninguém! Nem Moutinho, nem os que o conseguiram acompanhar, não víamos ninguém abaixo de nós. Lá seguimos, com um novo guia, o Manuel Veloso, de um pequeno grupo que se havia formado e que, atentos ao chão que pisávamos, não nos preocupamos com direcção diferente da que levávamos enquanto houvesse trilho. E o dito acabou mesmo, junto a uns postes de alta tensão, e sem sinais do resto do grupo. Num topo de mais uma montanha, ao fundo uma antiga mina de exploração de volfrâmio, um rio, uma estrada em terra, mas corredores nem vê-los. Toca a fazer soar o apito, que alguns levavam e que serve para chamar os atletas e sinalizar a localização de uns e outros. Com silêncio, aguardamos resposta, mas sem sucesso. Chega entretanto o Carlos Rocha e orienta-nos. Tínhamos falhado uma viragem à esquerda nos Três Pinheiros, uma espécie de cruzamento em montanha, que divide trajectos, e que o próprio já falhara, dois anos antes na Ultra da Freita. Lá recuamos os dois quilómetros que já havíamos descido desde as ditas árvores, que alinhadas e únicas num raio de umas centenas largas de metros, faziam de sinal de trânsito, junto com umas mariolas (pedras sobrepostas, colocadas por pastores, que servem como marcos) que assinalavam o local para encarreirarmos, literalmente, de novo no grupo. 

 

Reagrupados, seguimos em passo tão acelerado quanto possível, rumo à Povoa das Leiras, onde nos abastecemos de água, fresquíssima,em simpática convivência com os (poucos) habitantes locais com que nos fomos cruzando, inclusive com algumas vacas arouquesas que serviram de modelos aos fotógrafos de ocasião. Alguns dos que já sofriam da dureza do percurso e suas vicissitudes (quedas), atalharam caminho rumo ao ponto de partida, os demais, seguimos empedrado abaixo, rumo à aldeia do Candal. Com a grande maioria sedenta de corrida, o ritmo aí acelerou, até demais face ao percurso, com muitas pedras soltas, mas onde os mais experientes nos passavam com uma velocidade que assustava os menos avisados. O Moutinho, conhecido pela sua destreza, ao colocar um dos pés sobre uma pedra solta, torceu-o, ficando com uma pequena lesão, que, contudo, não o impediu de continuar. Já no Candal, começa a cruz. Quatro quilómetros em subida, com percentagens grandes no início, um desnível de mais de 400 metros, e um sol implacável sobre nós, que fez da subida da Mizarela uma bela recordação. Encosta acima, atrás do Jorge Azevedo, que se iniciou na corrida em Janeiro, mas, a fazer jus ao ano em que nasceu (1967, ano da Cabra no horóscopo chinês), já tem um enorme à vontade naqueles terrenos, seguimos em fila e com pouca vontade de fazer comentários. Olhávamos para cima e parecia que vinha sempre uma subida ainda mais inclinada. Uff!!! Dura, muito dura, atendendo ao calor que se fazia sentir àquela hora do dia (12h) e já com mais de 2 de treino. Vou ficando para trás, passa-me o Fernando Leite, a Conceição Grare, o João Vieira, todos com poucas falas, (excepto a Conceição, que é atleta de outro nível, e que vinha calmamente a falar ao telemóvel), apenas a preocupação de saberem se eu estava bem. Eu lá dizia que sim enquanto bebia mais um pouco de água, não fosse desidratar, mas a “penar”. Chegado a pouco mais de meia subida, passa o Manuel Veloso. “Mau”, penso, “parece que, não tarda, rebolo até ao Candal outra vez”. Não foi preciso. Como diz o Freitas (um dos atletas que acompanhou o Moutinho e que ajudou a guiar-nos) no trail, começamos a matar e acabamos a morrer. É mesmo isso, penso. E mesmo assim gostámos!

 

Chego, a transpirar em bica, ao alto, onde já o grosso do grupo aguardava à sombra de algumas árvores que ainda restam, já que os incêndios têm destruído, também ali, quase toda a floresta, sento-me por momentos, poucos, já que, a malta toda se preparava para atacar a parte final do troço, rumo ao Parque da Fraguinha. Uma outra hesitação no início da descida, mas, já no rumo certo, lá fomos trilho abaixo, a correr e a pular de pedra em pedra, por uma descida para destemidos, que acabava no ponto de onde partíramos e de onde regressaríamos ao Merujal.

 

Já depois de tomado o retemperador e refrescante banho, iniciámos a prova principal. Sopa da Pedra, Vitela estufada, acompanhada de arroz e salada. Vinho e cerveja para repor líquidos, que nem só de pó vive um runner.

 

Parabéns cantados ao Rui Vilar, que discursou eloquentemente e agradecimentos do nosso Presidente, em nome de todos, ao José Moutinho, que os retribuiu, lá regressámos ao rebuliço da Cidade que nos dá o nome, com mais uma experiência agradável na montanha.

 

Obrigado a todos pela companhia num excelente dia (mais um) de corrida.

 

Somos mesmo todo-o-terreno!