Entrevista a Vítor Dias
1. Como começou o gosto pela corrida?
Vítor Dias: Sempre pratiquei desporto (futebol, futebol de salão e halterofilismo) ao longo da minha vida. A corrida funcionou sempre como desporto complementar a estas actividades, pelo que fui ganhando o gosto até que em Agosto de 2007, houve o “clique” que eu acho que faltava. Em boa hora ele aconteceu. Hoje a corrida faz parte da minha vida como qualquer tarefa quotidiana como tomar banho, comer ou dormir.
2. Considera-o como um vício saudável?
Vítor Dias: Qualquer actividade física pode ser saudável desde que praticada com cuidado, tendo sempre em atenção o tipo de actividade, a idade e carga implementada. Há processos químicos que nos viciam na corrida ou em qualquer outra actividade. São as endorfinas que se calhar não existem por acaso. Quem sabe as mesmas existam precisamente para que nos mantenhamos sempre com a vontade de sermos activamente praticantes, salvaguardando dessa forma o nosso bem estar físico e psíquico.
3. Em que provas já participou?
Vítor Dias: Normalmente não participo em muitas provas comparativamente com os meus colegas (3 em 2007, 15 em 2008, 9 em 2009 e 7 em 2010). O dorsal no peito não me dá particular gozo e muito menos a posição classificativa obtida no final. Costumo dizer que as provas para mim são como que treinos só que mais participativos. Mesmo assim gosto bastante das provas ditas populares (Porto, Gaia, Viana do Castelo, Ovar, Régua, Cortegaça, etc.) e participei nas maratonas do Porto, Paris, Berlim, Sevilha e Madrid.
4. Qual a conquista que mais regozijo lhe deu?
Vítor Dias: Terminar a minha primeira maratona na minha cidade em Outubro de 2007. Um ano antes eu não conseguia correr 10 Kms. Correr uma maratona nem sequer era um sonho para mim, nem mesmo uma miragem. Há 4 anos atrás eu pensava que correr ininterruptamente 42,195 metros era tão provável como ir à lua. Hoje acho que qualquer pessoa, mesmo que tenha 70 anos e que seja saudável, poderá pensar que é possível fazer esta mítica distância.
5. Há alguma que a marcou pela negativa?
Vítor Dias: Não propriamente negativa pois terminei todas as que menos me propus (é sempre esse o principal objectivo) mas a última em Madrid, dada a alta temperatura a que decorreu, foi a menos positiva.
6. Como se recupera depois de uma maratona?
Vítor Dias: Com aquilo a que chamamos descanso activo, ou seja fazendo treinos a uma velocidade muita baixa. Normalmente corro sempre no dia seguinte a uma maratona e faço uma visita ao meu massagista. Durante a semana pós-prova faço 2 a 3 treinos sempre muito lentos e se possível vou à piscina. É também muito importante repor os níveis de hidratação assim como ter uma alimentação rica em hidratos de carbono e proteínas.
7. Que recordações e que vivências retiras das provas no estrangeiro?
Vítor Dias: O ambiente nestas provas é quase indescritível. Referindo-me por exemplo a Paris (35.000 atletas) e a Berlim (40.000 atletas), onde estas provas já se realizam há mais de 30 anos, trata-se de um evento que mexe com toda a cidade. Nos dias anteriores à prova são mais do que evidentes os preparativos para a mesma. As pessoas abordam-nos na rua, desejando coragem e boa sorte. No dia da prova, no metro, no comboio ou em qualquer outro meio que leve os atletas à prova, as conversas entre corredores de outros países desenrolam-se como se já nos conhecêssemos há muito tempo. Não há espírito de competição, há sim o de cooperação, com vista á realização pessoal. Aconselho todos os que gostam de correr esta distância que pelo menos uma vez na vida participem em provas como estas. Qualquer uma realizada nas capitais europeias valerá a pena, embora Paris, Berlim, Londres, Madrid e Roma sejam as que com certeza irão ficar para sempre na memória de quem nelas participar.
8. São uma mais-valia para todo o maratonista? Porquê?
Vítor Dias: Sim. Lá vive-se o ambiente de quem já corre há muitos anos. Nós estamos apenas no início. Tenho esperança que daqui a 10 ou 20 anos também já tenhamos esse hábito saudável de correr.
9. Compensa a aventura e tanto esforço?
Vítor Dias: Sim, largamente. Se o corpo se recente a nossa auto-estima eleva-se ao mais alto nível. Li uma vez um artigo de um psicólogo, penso que americano, que dizia que uma pessoa que termine uma maratona pode nunca mais ser a mesma. Ele referia-se ao alcançar de um objectivo que não é fácil de atingir e que requer grande empenhamento. Uma maratona não é o dia da prova, ela requer meses de treino. Para quem tem emprego e família, isto pode não ser fácil. Depois deste esforço todos os restantes problemas são relativizados . Na maratona como na vida, sem empenhamento e dedicação, não conseguiremos chegar ao sucesso.
10. Para além da corrida, presumo que tem uma actividade paralela. Qual?
Vítor Dias: Para além do meu trabalho como técnico de informática, estou ligado á música, mais particularmente ao universo filarmónico. Sou ex-músico, co-autor do portal bandasfilarmonicas.com e co-fundador e administrador da Banda Fórum – Filarmónica Portuguesa. Faço também parte dos órgãos sociais da equipa Porto Runners.
11. Como se consegue gerir o seu tempo?
Vítor Dias: Sendo organizado e levando todos os projectos muito a sério. Quem não corre, dá quase sempre como desculpa que não tem tempo para o fazer. Isso é falso e esconde apenas alguns maus hábitos como a preguiça ou fundamentalmente a falta de vontade. O exercício físico não é a prioridade para essas pessoas. Eu corro quase sempre 5 dias por semana e tenho mais tempo para mim do que quando não corria. Durante os treinos (principalmente de rolamentos lentos e quando corro sozinho), organizo as minhas ideias. É neles que penso o que tenho ainda para fazer e quando o vou fazer. Evito levar o telemóvel comigo pois se o fizesse, acho que algumas tarefas eram mesmo ali resolvidas. Conheço que o leve e gravadores para registar ideias ou artigos a escrever já não são novidade.
12. Onde e em quem encontra forças quando mais precisa E quando algo corre não tão bem?
Vítor Dias: Na família e nos amigos. É assim nas corridas e é assim na vida. Sem bases sólidas baseadas no amor à família e à amizade incondicional dos amigos, esta corrida da vida não faz sentido. Sinto-me um privilegiado por ter o apoio da minha família e de muitos e muitos amigos e colegas que me acompanham. A eles devo o que sou e a eles o agradeço.
13. Há erros que um corredor também comete?
Vítor Dias: Obviamente que sim. No que respeita aos principiantes, os maiores erros são o iniciar sem consultar um médico e o uso de calçado inadequado. Nos mais experimentados (refiro-me sempre a atletas de pelotão que correm sem objectivo competitivo, o colocar a fasquia demasiado alta, o treinar demasiado e participar em muitas provas, podem provocar lesões muitas das vezes difíceis de debelar.
14. Qual é para si o mais grave?
Vítor Dias: Para quem é viciado em corrida o pior de tudo é lesionar-se e ficar semanas ou meses parado. Dizem-nos que em caso de paragem prolongada somos difíceis de aturar…
15. O que é que um corredor de pelotão mais procura?
Vítor Dias: Procura aquilo que todos ansiamos. A felicidade e o prazer. Uns fazem-no a pescar, outros a jogar bilhar, outros a comer, outros a beber, outros a viajar. Nós alcançamos esse bem estar e felicidade correndo.
16. Correr mais que um prazer é um modo de estar na vida?
Vítor Dias: Sim. Não há corredor de pelotão em Portugal que passe despercebido no seu rol de amigos ou colegas de trabalho. Era bom que assim não fosse. Quando todos corrermos, um corredor tornar-se-á vulgar e todos ficaremos a ganhar. Como se costuma dizer, “só encontraremos o médico quando formos velhos e mesmo assim será no campo de golfe”.
17. O que lhe falta ainda conquistar e que objectivos ainda o seguram à corrida?
Vítor Dias: Não sou obcecado por objectivos embora ache essencial eles existirem. Depois de ter corrido a Maratona de Berlim, gostaria de correr as restantes 4 maratonas que fazem parte da World Marathon Mayors (Boston, Nova York, Chicago e Londres) e a Maratona da Grande Muralha da China. São patamares dependentes mais da parte financeira do que de qualquer outro factor.
18. Correr não farta?
Vítor Dias: Quando não me apetece correr não corro. Correr não pode ser um fardo. Faço no entanto o meu “reset” anual de cerca de 15 dias entre Novembro e Dezembro.
19. E quanto à alimentação, há muitos cuidados que tem de manter?
Vítor Dias: Não cumpro como deveria de cumprir mas diga-se que também não é estritamente necessário. As pessoas têm uma ideia de que somos uns infelizes nesta matéria. Somos amadores e se comer nos dá prazer devemos fazê-lo. Quando temos provas para mais longe, é muito curioso ver colegas a combinarem onde vão comer um cabritinho, um cozido ou uma cabidela. Os corredores são grandes conhecedores do nosso património gastronómico. As corridas são muitas vezes pretextos para grandes almoçaradas. Não devemos deixar que seja a corrida a alterar os nosso hábitos. Claro que deveremos ter em conta o que toda a gente tem de ter, evitar gorduras, álcool, fritos, etc. O algum cuidado do maratonista poderá surgir normalmente a uma ou duas semanas antes da prova onde a ingestão de hidratos de carbono (normalmente sob a forma de massas) se torna habitual.
20. É director de um site, no qual pretende enaltecer e dar a conhecer aqueles corredores que tal como diz “as classificações pouco dizem e que o seu único objectivo é tirar o maior prazer da corrida”. Como surgiu o projecto?
Vítor Dias: Quando cheguei às corridas, comecei a “devorar” tudo o quanto era leitura relacionada com a mesma. Comprei livros estrangeiros e passei horas e dias a ler blogs de corrida. Quando resolvi criar o meu próprio blog, a receptividade por parte da comunidade foi uma surpresa para mim, nomeadamente com o relato que fiz da minha primeira maratona. Tive colegas com idade para serem meus pais que me vieram dizer que se comoviam ao lerem os meus relatos. Sei que estou a ser pretensioso mas não resisto a dizer que isso me deixou muito orgulhoso. Penso que consegui de alguma forma transmitir em palavras aquilo que esses meus colegas sentem quando fazem o que realmente gostam que é correr. Surgiu assim o www.correrporprazer.com .
A inclusão de artigos sobre alimentação por parte da nutricionista Filipa Vicente, dos artigos de lesões por parte da Enfermeira Especialista em Reabilitação Ana Maria de Freitas e mais recentemente do podólogo Romeu Araújo, foram uma mais-valia para este projecto. Ao longo de ano e meio de existência, fomos já visitados por mais de 187.ooo pessoas.
21. O que pretende com o mesmo espaço?
Vítor Dias: Divulgar a corrida, os seus benefícios e tudo o que a ela está relacionada (provas alimentação, motivação, lesões, etc.).
22. Em Outubro de 2009, publicou em parceira o livro “Correr por Prazer – Já correu hoje? " .Fale-nos um pouco deste livro?
Vítor Dias: Surgiu no seguimento do blog e tem os mesmos objectivos que este. A ideia foi chegar a quem não tem acesso à internet. Tal como o blog, excedeu todas as nossas expectativas.
23. Foca então três assuntos de interesse actual, como a motivação, a nutrição e a prevenção de lesões. O Vitor como maratonista debruça-se sobre o tema motivação?
Vítor Dias: Sim. Não sendo especialista em nenhuma matéria em particular, relato as minhas provas, treinos e aspectos ditos vulgares mas que podem motivar as pessoas. Não há fórmulas científicas para a motivação e não há nada melhor do que falar daquilo que é fácil as pessoas compreenderem. É muito gratificante quando me dizem que participaram em determinada prova porque leram o meu relato acerca da mesma.
24. Como está a ser feedback depois do lançamento?
Vítor Dias: Estamos deveras surpreendidos com a receptividade. Houve bastante interesse por parte dos media, nomeadamente o Jornal de Notícias, a Revista Atletismo, a revista Sportlife, a Antena2 e mais recentemente a RTP. Isso ajudou-nos bastante. Neste momento está mesmo a estudar-se a possibilidade de editar o livro noutras línguas.
25. Em Portugal falta visibilidade e protagonismo aos maratonistas?
Vítor Dias: O que falta essencialmente são maratonistas e portanto maratonas. No ano de 2010 irão realizar-se 4 maratonas no nosso país (Porto, Lisboa, Faro e Porto Santo). O número de atletas que terminam cada uma destas provas é sempre inferior a um milhar, sendo uma boa parte estrangeiros.. Estima-se que existam em Portugal não mais de 700 0u 800 corredores desta distância. Teremos que esperar ainda mais alguns anos e investir nesta área tal como outros países já outrora o fizeram. As nossas entidades competentes ainda não se aperceberam dos benefícios financeiros agregados ao universo maratonístico, já para não falar noutros factores mais estruturantes.
26. O que pensa que se poderia fazer para travar tal obstáculo de reconhecimento?
Vítor Dias: O maratonista de pelotão não pretende reconhecimento. Pretende apenas ter mais e melhores condições para correr. Que as vilas e cidades lhes ofereçam zonas verdes onde possam treinar longe da poluição e do trânsito e que as autarquias e o próprio estado colaborem no apoio a provas que promovam o exercício físico e o bem estar das populações. Muitos de nós corredores, começamos com caminhadas e fomos naturalmente evoluindo. Não queremos que as pessoas se tornem maratonistas mas que sintam o prazer de estar ao ar livre, buscando saúde e criando amigos.
27. O que diria a quem esta a pensar pegar nas sapatilhas e correr?
Vítor Dias: Que primeiramente consultem o seu médico para ver se está em condições de iniciar. Se sim, que comprem sapatilhas adequadas ao seu tipo de pé. Falem com quem sabe, não vão pelo preço ou pela cor. Desafie um amigo que também se queira iniciar. Comece por alternar a corrida com caminhada. Não tente evoluir rápido. É mais importante manter constante o número de treinos do que fazer mais tempo ou mais distância. Tente entrar para um clube de corrida (diferente de um clube de atletismo), há vários no nosso país. Em pouco tempo irá ver o quanto a corrida mudará a sua vida.